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O CAMINHO DO RETRATO

 

Daniel Pinho chega a Bolonha e frequenta o curso especializado de fotografia na Academia de Belas Artes. É apaixonado pela Itália e pela beleza antiga e urbana de Bolonha. Mostra-se prontamente atento e entusiasta, experimenta técnicas incessantemente, realiza numerosos projetos; o retrato o fascina, principalmente após ter visto os trabalhos históricos de August Sander e Diane Arbus, e ainda os contemporâneos, de Martin Schoeller, pela capacidade de colher, em uma única imagem, a complexidade do espírito humano. Começa assim a registrar estudantes e docentes da Academia, ambientandoos nas salas de aula e laboratórios, num poderoso e gigantesco trabalho que foi parcialmente exposto na própria Academia em uma edição de “Arte Fiera” de 2013.

 

É movido por esse desejo que percorre as ruas de Bolonha para retratar os comerciantes dentro de suas lojas, em pesquisa antropológica onde o ambiente dedicado às mercadorias serve de cenário à figura do lojista, do comerciante, em diálogo visual cheio de referências – por exemplo, à arte pictórica flamenga do retrato – que revelam um retrato possível da própria cidade e de seus tempos. Assim, os caminhos das mercadorias tornam-se o caminho do retrato da cidade de Bolonha, posto tradicional de troca de produtos e culturas, por sua posição geográfica central obrigatória entre o Norte e o Sul da Itália.

 

Daniel chega então com sua câmera-flash-difusor-cavalete, faz posar o comerciante naquele seu cenário teatral, e o congela no instante, assimilando-o à mercadoria, não mais um teatral promotor ambulante daqueles produtos inertes em suas prateleiras, à espera de serem comprados: ele é como um produto entre produtos, e podemos então observá-lo sem sermos constrangidos a comprar, sem nos arriscarmos a ter de sucumbir aos agrados e encantos desse pequeno feiticeiro da rua, que dá referência ao nosso morar, ao nosso viver em nossa aldeia-casa. Este projeto fotográfico de Daniel Pinho tem assim a capacidade de fundir espaços e pessoas, numa sinergia identitária que é fruto de sua sensibilidade e de sua visão sintética, como só o sabem fazer os grandes fotógrafos.

 

Luciano Leonotti

Professor de Fotografia da

Academia de Belas Artes de Bolonha

 

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RITRATTI IN ACCADEMIA

 

A Academia, a techné, o fazer artístico, o aprendiz, o mestre.

 

Ritratti in Accademia apresenta ao espectador o cotidiano do artista frente à suas obras e aponta o espaço que permite seu momento de maior intimidade: o ateliê.

 

Em uma série de 133 retratos e 1 auto-retrato, o artista Daniel Pinho fotografou os artistas da Accademia de Bologna, na Itália, durante 6 meses.

 

“A foto não é apenas uma imagem” (Philippe Dubois, 1998). A fotografia é a representação do tempo em um espaço. O tempo anônimo. O tempo sem o próprio tempo. Logo, o tempo do artista é o tempo que será representado através da sua arte. A obra fica para ser observada, para dialogar com o tempo presente e para ligar o passado à contemporaneidade de cada indivíduo

 

Nesse trabalho do artista Daniel Pinho, a série de fotografias na Accademia aparece como um código que direciona o tempo para o território da memória de um instante único mas que, sempre estará imerso e implícito no movimento contínuo da alteridade.

 

Os artistas fazendo parte do processo de suas obras e suas obras incluindo o artista no processo de si próprios. Essa é a parte da intimidade em um ateliê. É o momento do mestre e do aprendiz, é o momento do estudo, é o momento da solidão, é o momento da convivência.

 

Por mais que a obra de arte pronta, finalizada ou inacabada, é exibida em espaços, galerias, museus e etc, a trajetória de todo o seu processo não fica em evidência e é preciso um olhar sensível de um artista e fotógrafo para mostrar todo esse ciclo que se faz presente nesse espaço da Accademia.

 

Bruna Finelli

Professora de Fotografia da

Universidade FUMEC

 

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O QUE ME INCOMODA É A SUA DOR.

 

Não é preciso saber do passado do fotógrafo e artista Daniel Pinho para falar de We Were , mas é preciso contextualizar a experiência de vida íntima do autor para que seja sugerido o tema da obra e sua produção. A imagem decorrente de  toda a experiência de vida e do conceito interessa à própria arte.

 

A narrativa de We Were é sugerida pelo título que significa em português “Nós Éramos”.

 

Segundo o autor, o processo de criação da obra se objetiva pelas relações afetivas do mesmo que discute o relacionamento afetivo contemporâneo e as trocas inter-humanas.

 

Toda a liquidez das relações humanas, oportunidade de relacionamento e de conhecer o “outro” faz com que passemos por constantes transformações. A relação mudou entre sujeito e objeto e as pessoas não se permitem mais estarem tristes ou se frustrarem.

 

Sendo assim, Bauman (2004) ressalta sobre a fluidez das relações na sociedade contemporânea, onde estão presentes a incerteza e a insegurança.

 

O autor usa da analogia entre flores murchas e como as pessoas, com o passar do tempo de de suas relações afetivas, se transformam, “murcham” um para o outro, assim como as flores.

 

O que de fato é relevante observar nesse trabalho é como, imageticamente retrata o tempo. Embora o trabalho não haja uma temporalidade específica, o tempo é marcado pelo envelhecimento dos seres vivos e dos relacionamentos.

 

Falamos aqui de uma construção do tempo. O tempo do autor, o tempo do processo, o tempo da obra e o tempo de fruição da obra, tanto para o autor quanto para o espectador.

 

Em A Câmara Clara, Barthes (1984, p. 14) retoma a idéia que o referente fotográfico é sempre o passado, quando busca compreender as especificidades do signo fotográfico. A princípio, sugere que tudo o que uma fotografia é capaz de dizer é “Isso é isso”, mas corrige o tempo verbal e recoloca: “Isso foi” (BARTHES, 1984, p. 115).

 

A representação do tempo pela fotografia, principalmente por We Were  aponta para um determinado momento, mas o faz, como também sugere Barthes (1984, p. 28-29 e 53-54), mortificando esse tempo, tornando-o estático, para fazer lembrar daquilo que não está presente.

A fotografia recodifica seus lugares e personagens com base em referenciais estabelecidos por alguma tradição.

 

A fotografia concentrou seu olhar sobre o superficial. Desse modo obscurece a vida secreta que brilha através dos contornos das coisas num jogo de luz e sombra. Não se pode captar isso, nem mesmo com o auxilio das lentes mais poderosas. Devemos nos aproximar dessa vida interior pé ante pé. (DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Papirus Editora. 1994.)

 

Segundo Dubois, o corte temporal, feito pelo fotógrafo, não é apenas uma redução da temporalidade, do momento instantâneo, mas também a passagem deste ponto para outro novo ponto, ou seja, da perpetuação do momento que aconteceu aquela vez e não se repetiu. A passagem do tempo é instantânea assim como a imagem.

 

Estabelece uma relação entre a efemeridade da imagem, a efemeridade das relações afetivas e a efemeridade do objeto fotografado.

 

Esse é o recorte que We Were traz para a arte, deixando marcas em quem contempla a obra, assim como os relacionamentos da contemporaneidade deixam marcas nas pessoas. O tempo, esse que, em um mundo marcado pela constante aceleração das coisas, e por relações sempre efêmeras,  traz a possibilidade de “prender” o olhar e imprimir sobre a imagem, desejos e questões que constroem vínculos raros, únicos em nossas experiências doloridas, efêmeras, mediáticas e sensíveis.

 

Bruna Finelli

Professora de Fotografia da

Universidade FUMEC

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